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Blog - ENTREVISTA - Marcelo Pasquini Advocacia

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ENTREVISTA

ENTREVISTA (31/10/2017 08:00:00)
31 de Out 2017, 08:00

 

Inaugurando uma série de entrevistas para este canal, onde poderei abordar os mais variados assuntos ligados de alguma forma a área jurídica, com os pontos de vista de diversos profissionais, juristas e autoridades, recebi recentemente em meu escritório, o Auditor Fiscal do Trabalho, Dr. Luciano Rezende, que nos propiciou uma abordagem direta sobre sua linda carreira, sua missão, os desafios correlatos e sua opinião sobre o cenário desencadeado pela aprovação da Reforma Trabalhista.

 

 

Marcelo: O que você pode me contar a respeito do ingresso na carreira como AUDITOR FISCAL DO TRABALHO e os desafios que enfrentou até aqui nesta longa jornada?

Luciano: Minha entrada na carreira de Auditor-Fiscal do Trabalho (AFT) não foi planejada. Após minha formatura e um breve período de advocacia, durante o qual prestei vários concursos públicos, o objetivo inicial era ingressar no serviço público como Auditor-Fiscal da Previdência Social. Como havia feito meu Exame de Ordem na especialidade de Direito Tributário, e com facilidade em Direito Previdenciário, foi minha primeira escolha. Entretanto, a dificuldade com a Contabilidade não me permitiu lograr êxito na aprovação nos concursos que fiz. Mas como não deixei de lado outros certames, fui aprovado em um concurso para servidor analista do Ministério Público de Minas Gerais, para o qual não cheguei a tomar posse, e para Analista Judiciário do Tribunal Regional do Trabalho do Rio de Janeiro. Para este concurso fui aprovado para a área administrativa, que exigia curso superior em qualquer área. Diferentemente do cargo para Analista Judiciário da área judiciária, que exigia formação superior em Direito, e cuja matéria principal do concurso era justamente o Direito do Trabalho, as provas para meu cargo tinham ênfase em Direito Administrativo e Constitucional. Além disso, o Direito do Trabalho nunca foi uma das minhas matérias prediletas durante a faculdade. Mas quis o destino que eu fosse trabalhar em uma Vara do Trabalho, justamente por conta da minha formação em Direito. Isso ocorreu em agosto de 2003. No fim daquele ano saíram editais de concurso para as três áreas de Auditoria-Fiscal do Poder Executivo Federal, Previdência Social, Receita Federal (que se fundiriam logo depois) e Trabalho, todas com o mesmo patamar remuneratório. Iria novamente prestar o concurso para Auditor-Fiscal da Previdência, mas ao me deparar novamente com a Contabilidade, estar mais familiarizado com o Direito do Trabalho, e após conhecer as atribuições do cargo, optei pelo concurso de Auditor-Fiscal do Trabalho, carreira na qual ingressei em novembro de 2004.

 

Marcelo: E os desafios?

Luciano: Os desafios para os AFT são enormes. O número de auditores fiscais é insuficiente para as demandas de fiscalização. Atualmente somos apenas 2400 profissionais em todo o país. Falta ao país uma cultura de cumprimento da legislação e de respeito à segurança do trabalho e saúde dos trabalhadores. Os impactos do descumprimento da legislação trabalhista são enormes, principalmente na previdência social e na saúde.

 

Marcelo: Os obstáculos atuais se tornaram mais complicados de se contornar ou podemos dizer que já é uma premissa inequívoca do seu trabalho?

Luciano: Os desafios são permanentes. Não só pelo que enfrentamos nas fiscalizações, mas pelo desconhecimento do alcance do nosso trabalho e do nosso papel nas relações do trabalho. Costumo dizer que o AFT alcança a relação trabalhista enquanto ela se desenvolve plenamente, durante o vínculo, enquanto patrão e empregado estão juntos, e por isso a visão do auditor é mais genuína desta relação. Um pouco diferente do que ocorre com o Judiciário, que olha para a relação já finda, e com as rusgas do distrato contratual.

 

Marcelo: Os Auditores estão mais próximos da realidade da relação trabalhista?

Luciano: O AFT vai no “chão de fábrica”, vê o empregado trabalhando, analisa o trabalho em desenvolvimento, mas ainda tem pouco reconhecimento dos demais atores dessa rede de proteção ao trabalho, formada pela Inspeção do Trabalho, Poder Judiciário e Ministério Público. A Inspeção do Trabalho se modernizou a longo destes meus 13 anos de fiscalização. Nosso trabalho se tornou mais complexo, mais profissional, como melhores ferramentas de trabalho, mas ao mesmo tempo em que houve um decréscimo no número de profissionais.

 

Marcelo: Dentro das inúmeras fiscalizações já realizadas por você  e pelos seus colegas de profissão, quais foram, citando alguns exemplos, as condutas comumente encontradas e autuadas?

Luciano: Como em todos os setores da sociedade, há empresários corretos e que buscam atender à legislação e outros que descumprem a lei conscientemente. Existem alguns direitos trabalhistas que existem desde a década de 1940 e algumas empresas insistem em não os atender, como jornada de trabalho, descanso, repouso semanal, férias, pagamento em dia dos salários, noções básicas de saúde, segurança e conforto no ambiente de trabalho. Já em períodos de crise econômica, é comum que as empresas deixem de recolher o percentual do FGTS.

 

Marcelo: O Auditor Fiscal do Trabalho tem a missão de orientar, prevenir conflitos, mas também de punir. Como você lida pessoalmente com esta dicotomia?

Luciano: Orientação e punição são conceitos complementares para a inspeção do trabalho. A orientação é permanente e inerente ao trabalho, tanto aos empresários quanto aos trabalhadores, havendo inclusive plantões de orientação nas repartições, abertos ao público em geral. Já a punição, através da lavratura de autos de infração, é ato vinculado, determinado no art. 628 da CLT, com as exceções determinadas no mesmo artigo. Mas mesmo na punição, garantida sempre a ampla defesa administrativa, a correta descrição da infração no auto, orienta o empregador a evitar sua reincidência. Mesmo quando o auto de infração é lavrado, nos critérios legais da CLT, o Auditor busca a mudança no ambiente de trabalho ou na conduta, para que a infração não permaneça ou seja praticada novamente.

 

Marcelo: O que você me pode me dizer sobre o número de reincidência destas condutas anteriormente flagradas?

Luciano: Pela minha experiência, uma fiscalização bem feita, que inclua várias empresas do mesmo ramo de atuação ao longo do tempo, com os mesmos critérios e com a lavratura dos autos de infração pertinentes, além dos embargos e interdições necessários, e que seja repetida em um espaço de tempo não muito longo, é capaz de mudar comportamentos. Mas a cada vez maior escassez de auditores compromete o trabalho de inspeção, tanto em qualidade como em quantidade e periodicidade. Somente uma fiscalização ativa e permanente pode ir mudando aos poucos a cultura de algumas empresas.

 

Marcelo: Qual sua opinião sobre a importância das normas técnicas regulamentadoras, as famosas “NR’s” e se elas atualmente cumprem seu papel?

Luciano: As NR, sobretudo as mais recentes, foram discutidas e elaboradas em fóruns de participação tripartite, com representantes dos trabalhadores, empresários e do Estado. São importantes instrumentos de prevenção de doenças e acidentes. São normas extensas e minuciosas, de acordo com a nossa cultura legislativa, mas não possuem letras mortas. Caso fossem cumpridas em sua integralidade, muitos trabalhadores seriam poupados de acidentes, mutilações, óbitos e adoecimentos. Mas falta ao nosso empresariado uma cultura de prevenção. Por exemplo, antes de construir um edifício, mesmo nas menores obras, é elaborado um projeto elétrico, um projeto hidráulico, etc. Mas não há a preocupação de se fazer um projeto de prevenção de acidentes, por exemplo. Em empresas maiores, já existe uma maior preocupação nesse sentido, mas os riscos também são bem maiores.

 

Marcelo: É fato de que estamos diante de um cenário de incertezas políticas, fiscais e econômicas face a proposição de reformas estruturais na previdência social e nas Leis do Trabalho. Como Auditor Fiscal do Trabalho, quais são as suas preocupações e receios se a proposta da reforma trabalhista for aprovada do jeito que se encontra? Quais os pontos mais obscuros dentro do que foi proposto podendo prejudicar gravemente os trabalhadores. Existem alguns aspectos favoráveis no seu projeto e que podem melhor a relação patrão-empregado?

Luciano: Longe de modernizar, essa reforma precariza as relações de trabalho e institucionaliza várias práticas de fraude e desrespeito aos trabalhadores que eram combatidas pela Inspeção do Trabalho e pelo Judiciário trabalhista ao longo do tempo. Como exemplo cito a permissão para contratação de autônomo permanente, sem vínculo de emprego; a inclusão dos "penduricalhos" (diárias, ajudas de custo (?), auxílios, indenizações) nos pagamentos sem que  tenham natureza salarial, sem limites, que fará com que se pague  aos empregados somente um valor baixo com natureza salarial e sobre ele será feita a arrecadação previdenciária e de FGTS; permite a dispensa por acordo, pagando-se meio aviso prévio e 20% de FGTS, o que acarretará no fim da dispensa sem justa causa; a imposição absurda e inconstitucional de limite aos tribunais no julgamentos das lides; a valoração do patrimônio imaterial do empregado com base no seu salário para fins indenizatórios; a exclusão das regras de jornada e descanso como normas de higiene. Isso sem citar a terceirização irrestrita, o trabalho intermitente e a prevalência do negociado sobre o legislado. É uma pauta exclusiva do empresariado. Não há nada de bom e moderno aos trabalhadores. Sei é que teremos muito trabalho pela frente.

 

Marcelo: Por motivos profissionais e particulares, fechamos esta entrevista após a aprovação e publicação na íntegra da reforma trabalhista. Como era esperado, naturalmente surgiram críticas e alguns elogios!! Os movimentos sociais, sindicais e associações de Magistrados se posicionaram contra a reforma ao ponto de os Juízes sugerirem discutir incidentalmente a sua suposta constitucionalidade nas demandas por todo o pais. Em sua visão, quais serão os efeitos práticos da reforma trabalhista no Poder Judiciário? O que aguardar de impacto nas empresas e nos trabalhadores, bem como na qualidade e segurança do ambiente de trabalho??

LucianoComo era esperado, os elogios vêm daqueles que esperam lucrar com as mudanças legislativas, ainda que à custa de direitos dos trabalhadores.

O Poder Judiciário, o Ministério Público e a Inspeção do Trabalho já se posicionaram contra vários pontos da reforma, e cada um utilizará de suas prerrogativas legais e constitucionais para combater as distorções, tentativas de fraude e os atos, fatos e contratos que se utilizem dos dispositivos legais com a intenção de impedir a aplicação das normas trabalhistas. A reforma foi cruel ao ponto de tentar tolher, inclusive, a atividade jurisdicional, tentando mitigar a atuação dos magistrados no julgamento dos acordos coletivos de trabalho. Quanto à terceirização, ainda que tenha sido liberada em qualquer atividade da empresa, é importante destacar que a simples intermediação de mão de obra continua sendo proibida, que o art. 3º da CLT continua vigente, e presentes a subordinação e pessoalidade, não importa o modelo de contratação, o vínculo se formará diretamente com o tomador. Para a fiscalização do trabalho com enfoque na saúde e segurança do trabalhador, apesar de liberar absurdamente a terceirização irrestrita, a legislação determinou expressamente que a responsabilidade nessa área é da contratante. Não é raro encontrar empregados com condições de saúde, segurança, higiene e conforto bem diferentes em um mesmo ambiente de trabalho, sendo a situação dos terceirizados sempre mais precária do que dos empregados próprios da contratante.

Marcelo: E quando a reforma, em sua parte material (não processual),  entrar em vigor no dia 12 de novembro de 2017?

Luciano: De início, serão “testadas” todas as novidades legislativas, sempre no intuito do lucro fácil. Mas se a intenção for a fraude e a precarização dos contratos, a reiterada ação da Inspeção do Trabalho, do MPT e do Judiciário, colocarão freios naturais naquilo que for contra os direitos fundamentais e constitucionais dos trabalhadores. E os reveses gerarão prejuízo e a possibilidade de um grande passivo trabalhista.

Imagino, que da mesma forma que ocorreu quando se liberou a criação das cooperativas, as tentativas de uso indevido das novas normas serão abandonadas com o tempo, quando os empresários perceberem as crescentes possibilidades de prejuízo. Esse é meu lado de esperança com o futuro a médio prazo, após as reformas.

 

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