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"EU VOU PROCESSÁ-LO" (Peter Mayle)

11 de Mar 2019, 17:43

 "EU VOU PROCESSÁ-LO"

(MAYLE, Peter. Gostos adquiridos. Rio de Janeiro: Rocco, 1996, p.30-35)

 Normalmente, uma das minhas agradáveis obrigações é falar sobre as pequenas extravagâncias que dão sentido à vida e fazem valer a pena ganhar dinheiro – as recompensas civilizadas à disposição de qualquer pessoa com um pouco daquela saudável auto-indulgência e um bom crédito. Este mês, no entanto, estaremos examinando um daqueles hábitos caros – que infelizmente está se tornando cada dia mais difundido – que não proporciona nenhuma diversão de qualquer natureza para os milhões de infelizes que são forçados a pagar por ele. Em teoria, trata-se de busca de justiça. Na prática, consiste em transferir grandes somas de dinheiro para o tipo de gente que você não gostaria de encontrar no bar da esquina.

Há algo de terrivelmente errado com um mundo em que há mais advogados do que bons chefes de cozinha, e no entanto, a cada ano, as escolas de direito desovam mais uma quantidade deles, deixando-os soltos na ruas para vociferar por aí imperícia médica, conduta ilegal de servidores públicos, pensão, indenização, delitos e processos, e sabe Deus o que mais, causando terror e apreensão nos corações de cidadãos simples e honestos como você e eu. Existem mesmo diversos prédios comerciais em Manhattan (advogados adoram prédios seletos) onde você se arrisca a ser processado simplesmente por pisar no pé de alguém num elevador lotado. Acontece que o pé pertence a um pilar da advocacia e antes que você se dê conta estará enfrentando uma acusação de tentativa de lesões corporais em conformidade com o caso de Schulz v. Donoghue, 1923.

Eu não estou sozinho nas minhas apreensões. Os advogados têm sido objeto de críticas bem-humoradas desde que o homem aprendeu a soletrar a palavra “litígio”. “Um camponês entre dois advogados é como um peixe entre dois gatos”, diz o provérbio espanhol. “Advogados e pintores podem mudar rapidamente o preto pelo branco”, diz o provérbio holandês. “Antes de mais nada, vamos matar todos os advogados”, diz Shakespeare. Benjamin Franklin, Thoreau, Emerson e muitos outros homens bons e honestos expressam-se em termos mordazes e pejorativos acerca dos nossos sábios amigos. Por que será, então, que apesar de séculos de merecida impopularidade há hoje mais advogados do que nunca?

Existem muitos fatores que contribuem para isto, mas talvez o principal seja o problema da linguagem. Por razões óbvias, os advogados aperfeiçoaram uma forma exclusiva de comunicação. Ela tem uma ligeira semelhança com o inglês misturado a um latim vulgar superficial, mas para o homem comum, é a mesma coisa que grego.   Então, quando ele recebe um mandado ou uma intimação ou uma das incontáveis flechas do arco legal, fica inteiramente perdido. O que quer dizer aquilo? O que ele pode fazer? Que remédio a não ser contratar um intérprete – que é, evidentemente, um advogado. E aí temos o tipo de situação que os advogados adoram: os dois lados podem iniciar um prolongado ritual sem sentido, ininteligível para os clientes e com um custo por hora totalmente inacreditável.

E existe também a lei, não criada pelo homem mas ditada pela natureza humana, que exige que mãos desocupadas encontrem uma ocupação nociva. Quando não há trabalho suficiente para a população legal, você teria o bom sendo se esperar que o número de advogados diminuísse, com os menos bem-sucedidos tentando a sorte em algo útil, como encanamentos. Nem pensar. Se não houver trabalho suficiente, cria-se mais trabalho. Subdivisões da lei e seus especialistas aparecem para tornar a vida mais complicada para nós e mais lucrativa para eles. O resultado é que você se vê tendo que lidar não com um advogado, mas com um pelotão deles.

Digamos que o primeiro seja especialista em propriedades. Ele descobrirá as armadilhas ocultas (por outro advogado) nas letras miúdas do contrato do seu apartamento. Você precisará de um segundo para explicar as sutilezas embutidas no seu contrato de trabalho, de um terceiro se você não concordar com o Imposto de Renda acerca do tamanho da sua contribuição para a economia nacional, de um quarto se o seu médico der uma escorregada com o bisturi, de um quinto se você se divorciar, de um sexto... Mas a lista já está longa e deprimente demais, e nós ainda nem nos aventuramos na advocacia criminal ou naquele ramo superpovoado da profissão são superpovoada, a advocacia corporativa. Os advogados estão em toda a parte exceto debaixo da cama, e isto pode não estar muito longe caso seu número continue a aumentar.

E por que precisamos deles? Autodefesa. Porque o outro lado – seja senhorio, patrão, ex-mulher ou quem for – escolheu uma briga longa e cara ao invés de uma rápida e barata, e contratou um profissional para isto. Não adianta pensar que você, um mero amador, possa conduzir o seu próprio caso. A inocência não leva a nada hoje em dia, e a ignorância vai custar muito caro. De qualquer maneira, você só entenderia uma em cada dez palavras. A única alternativa é pagar na mesma moeda e contrata o seu próprio guarda-costas legal. Então temos que concordar que os advogados são necessários. Mas isto não explica por que eles são tão detestados, tão freqüentemente insultados e até mesmo, ouso dizer, desacreditados. Para compreender o porquê destas atitudes, temos que examinar a mente do próprio monstro e ver como é que o advogado funciona.

O seu princípio básico, incutido nele desde os primeiros dias de faculdade, é nunca, sob quaisquer circunstâncias, admitir que está errado, em parte porque isto poderia expô-lo à terrível possibilidade de um processo por negligência. Ora, sem dúvida é mais fácil evitar estar errado se você puder evitar emitir uma opinião clara que mais tarde prove ser uma besteira completa. É por isto que os círculos legais adoram duas armas secretas bem testadas que têm permitido que gerações sem o esforço de um pensamento original.

A mais vaga delas é a Área Cinza, em que os advogados mergulham como um coelho na toca sempre que alguém os ameaça com uma pergunta pesada. Diante disto, ele diz, parece que você tem um caso consistente. Ele balança a cabeça encorajadoramente e olha para você por cima dos seus óculos meia taça. Mas há alguns aspectos, alguns fatores atenuantes, algumas circunstâncias imponderáveis – não, não é tão simples e seguro quanto parece para o leigo. De fato, ele diz, esta questão é uma Área Cinza.

A lei, como você descobre algo caso tenha a infelicidade de se envolver freqüentemente com ela, é quase toda feita de Áreas Cinza, e os advogados são profundamente valorizados por fornecerem oportunidades de não dizer nada de uma maneira altamente profissional. Os únicos lampejos de claridade nesta neblina ofuscante ocorrem quando o seu caso é uma réplica exata de outro caso que foi julgado há cinqüenta anos e cujo veredicto não foi questionado até agora. É aqui que a segunda arma secreta faz sua entrada triunfal.

Precedente! Que coisa maravilhosa, útil e definitiva. Quando um advogado é pressionado a dar uma resposta, ele consulta os precedentes. Quando ele quer agradar um oponente, ele cita um precedente. Quando ele discorda de alguma novidade legal proposta, ele argumenta que não há precedentes para isto. Mas o que é exatamente um precedente? A opinião de alguém, que se torna velha e respeitável com o passar dos anos, mas que ainda assim é apenas uma opinião. “Precedente” é provavelmente a palavra mais popular do dicionário legal, e tem uma grande vantagem sobre a Área Cinza porque permite que os advogados sejam decisivos sem terem que assumir nenhuma responsabilidade pela decisão.

Mas chega desses comentários desabonadores sobre a natureza tortuosa da personalidade legal. Vamos passar para questões relativas a honorários e custos, porque é aqui, mais do que em qualquer outro lugar, que a atitude do homem comum com relação ao advogado passa de leve suspeita a afronta violenta.

Nós todos já lemos sobre casos em que os custos do processo vão a centenas de milhares de dólares e os acordos a milhões. Mas esses números são tão altos, como o déficit público, que é impossível levá-los a sério. Eles não são reais. No entanto, são exemplos dramáticos da compulsão, comum a todos os advogados, de extrair cada centavo de uma situação. Isto não ocorre necessariamente para tornar o castigo adequado ao crime ou para dar à  justiça o seu devido valor. É a conseqüência natural e inevitável da mentalidade “libra de carne”.

Todos os advogados a têm. Não podem evitar; está em seu genes e surge em todos os níveis, desde o processo multimilionário até o incidente mais corriqueiro e banal. Se uma libra de carne não estiver imediatamente disponível, alguns gramas serão suficientes. Eu mesmo já recebi uma conta de $250 por uma xícara de café e um papo de dez minutos, mas pelo menos o papo aconteceu num escritório. Um amigo meu recebeu uma conta por um telefonema que deu para o seu advogado convidando-o para jantar. Eu não perguntei se houve uma conta extra pelo tempo gasto jantando de graça, mas não me surpreenderia se houvesse.

Eu não sei os números exatos, mas ouvi dizer que o crescimento atual da profissão é, em termos relativos, muito maior do que o crescimento da população. Advogados estão sendo produzidos como frangos, e é só uma questão de tempo até que o país inteiro esteja infestado. Todos os lugares serão como aquelas partes de Los Angeles em que há mais advogados que pessoas. O litígio, antes hobby dos ricos, suplantará o beisebol e o futebol como atividade de lazer, e o Berlitz oferecerá cursos de legalês. Eu vislumbrei o futuro, e ele é uma Área Cinza.

 

 

 

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